LOADING

Type to search

Hockey no cinema; entrevista com um roteirista

Entrevista

Hockey no cinema; entrevista com um roteirista

Share
Hockey no cinema; entrevista com roteirista

O cinema está repleto de grandes filmes de esporte. Alguns dos nossos favoritos, e que levam o hockey como tema principal, estão listados aqui (nota da autora: página em construção). Há histórias que nos fazem rir, que nos fazem chorar, que são tão emocionantes quanto uma partida decisiva do seu time do coração. Às vezes essas histórias se baseiam em acontecimentos reais, às vezes são completamente fruto de uma imaginação fértil. Em qualquer um dos casos, cabe ao mesmo profissional colocar essa história no papel antes que ela possa “tomar vida” em nossas telas: o roteirista.

Conversamos com um especialista da área para entender melhor o roteiro cinematográfico no universo dos esportes – em particular, do hockey. Michel Lichand é roteirista, podcaster e atualmente reside em Los Angeles. Tem graduação em Rádio e TV pela FAAP e pós-graduação em roteiro pela University of Southern California, e já trabalhou com Disney Studios, AMC Networks, Wayfarer Studios e Lionsgate. Ele é um dos apresentadores do podcast “Fullmetal Analysts”, em que analisa o roteiro de diversas produções internacionais.

A entrevista foi levemente editada para maior clareza.

Qual é o apelo de um filme de esportes?

Um filme de esportes, assim como qualquer tipo de filme, é um tipo de escapismo. Um jeito do espectador escapar de sua realidade normal e viver uma história diferente por algumas horas. Isso é a base de qualquer filme, seja ele um filme de ação da Marvel ou do James Bond, ou um drama mais íntimo tipo aqueles que ganham Oscars. A mesma coisa acontece com filmes de esporte.

Nem todos nós seríamos bons jogadores de esporte, por exemplo, eu não sou a pessoa mais ágil do mundo e seria horrível em qualquer esporte que precise de velocidade. Mas por meio de um filme ou uma série, ou posso viver e entender a experiência de um corredor, me conectar com o corredor e me emocionar com o corredor. É por isso que os americanos adoram filmes de futebol americano, por exemplo, porque eles providenciam uma conexão ainda maior entre espectador e jogador.

Por que o hockey não é tão popular no cinema americano?

Por aqui, filme de esporte geralmente é sobre beisebol ou futebol americano, já que esses dois são os esportes mais populares pelo país (basquete está em terceiro lugar, mas de futebol americano para basquete o número de filmes já desce muito). Acho que o que impede o hockey de ter sucesso no cinema americano é que parte do público ainda não conhece as regras (o filme Vale Tudo, de 1977, literalmente começa com um dos personagens explicando as regras do esporte). E, como os jogadores de hockey usam uniformes que cobrem o corpo inteiro, e acabam se metendo em situações de violência, dá pra imaginar que muitos atores não estão interessados em passar a maior parte do filme usando uma máscara ou quase se machucando.

Além disso, quando você pensa nos dois esportes populares aqui nos EUA, eles são muito fáceis de adaptar para uma estética visual cinematográfica. Você mostra uma imagem de um jogo de futebol ou beisebol e dá para ver na hora quem está ganhando, em quem o espectador deve prestar atenção etc. Já o hockey requer um pouco mais de paciência, ao menos no começo… e por aqui a regra é literalmente “tempo é dinheiro.” Muitos produtores acabam indo para outros esportes por serem mais fáceis de adaptar pro cinema. E aí o que você tem são os filmes hockey-adjacent.

Extrato da primeira página do roteiro do filme “Vale Tudo” (1977), escrito por Nancy Dowd.
Extrato da primeira página do roteiro do filme “Vale Tudo” (1977), escrito por Nancy Dowd.

O que é um filme hockey-adjacent?

É um filme que tem hockey, mas não é sobre hockey, ou seja, está adjacente a hockey. Não é pra menosprezar o filme ou a série, é simplesmente um fato que os hockey-adjacent usam o hockey pra contar uma outra história, então não são exatamente “filmes de hockey.” Pensa no “Fada do Dente”, com (Dwayne “The Rock” Johnson). O filme usa hockey na sua história, mas a história foca mais no relacionamento entre o personagem de The Rock e a família dele.

Esse tipo de filme usa o hockey como cenário, basicamente, porque o espectador sabe alguns elementos do hockey (é violento, joga-se no gelo, usam roupas pesadas) mas não sabe o suficiente para se importar quando o filme muda de assunto e foca em outros elementos. De novo, isso não quer dizer que o filme é ruim. Mas não é um filme de hockey do mesmo jeito que “Tudo Pela Vitória” é um filme de futebol americano ou “Um Maluco no Golfe” é um filme de golfe (este último inclusive usa elementos do hockey, mas o filme em si é de golfe).

Extrato do roteiro do filme “Um Maluco no Golfe” (1996), escrito por Tim Herlihy, Adam Sandler e Dean Lorey.
Extrato do roteiro do filme “Um Maluco no Golfe” (1996), escrito por Tim Herlihy, Adam Sandler e Dean Lorey.

A gente não vê roteiristas especializados em filmes de esporte. Por que isso acontece? E faria sentido ter um profissional do tipo na indústria?

Porque “filme de esporte” não é um gênero cinematográfico. Por exemplo, todo mundo já viu o filme em que um técnico revolucionário transforma um time de perdedores em vencedores ou algo assim. É tão comum, que virou clichê em Hollywood. Mas esse tipo de história não se aplica só a um esporte. Existe esse tipo de filme com futebol, baseball, até hockey. Isso mostra que filmes de esporte são um tipo de narrativa e não um gênero, como comédia, terror, drama. Sem contar que existem filmes de esporte que são comédia, filmes de esporte que são terror, etc.. Não faria sentido alguém se especializar assim, porque seria que nem eu me especializar em “filmes sobre crianças que encontram um mundo mágico” ou “filmes sobre pessoas que trocam de corpo.”

Como uma partida de hockey é escrita para o cinema?

A primeira coisa que você aprende sobre roteiro é que você tem que cativar a imaginação do leitor. Muita gente lê as primeiras dez páginas de um roteiro e se não gostar, joga o resto do roteiro fora. Você tem que usar o formato do roteiro para transmitir a ação e a intensidade do momento pro leitor. E isso serve pra qualquer tipo de cena, seja uma partida de um esporte, um jantar de família ou uma perseguição em alta velocidade. Então uma partida de hockey não pode ser uma transcrição – “ele atira, ele defende, ele atira,” etc. –, tem que ser algo que capture a emoção do momento.

Um exemplo que eu gosto é do filme “Os Brutamontes.” Para quem não viu, é um filme que enfatiza o lado violento do hockey – o personagem principal literalmente é contratado para ser um enforcer de um time. Então os roteiristas, nesse caso Jay Baruchel e Evan Goldberg, usaram de tudo para fazer o leitor entender o quão violenta a situação é.

Extrato do roteiro do filme “Os Brutamontes” (2011), escrito por Jay Baruchel e Evan Goldberg
Extrato do roteiro do filme “Os Brutamontes” (2011), escrito por Jay Baruchel e Evan Goldberg.

Se pegarmos o roteiro de “Os Brutamontes” como exemplo, a onomatopeia “CRRRNCH” enfatiza o quão forte o ataque foi. Em vez de só falar “ele cai”, eles descreveram o capacete e as luvas voando para fora e caindo no gelo. Eles basicamente estão fazendo uma narração para rádio. O melhor de tudo é que você entende tudo mesmo se não souber as regras do jogo. Como o filme é sobre violência, o foco fica na violência.

Um outro exemplo que eu gosto é do filme “Desafio no Gelo”, escrito por Eric Guggenheim. Esse é baseado numa história real, então o foco do filme é mais no drama.

Extrato do roteiro do filme “Desafio no Gelo” (2004), escrito por Eric Guggenheim
Extrato do roteiro do filme “Desafio no Gelo” (2004), escrito por Eric Guggenheim.

Enquanto a história mais violenta exagera nos adjetivos e na onomatopeia, a versão mais dramática é simples e mais direto ao ponto. Na segunda frase, eles usam adjetivos rápidos para demonstrar o quão rápido os jogadores são (sharp, quick). Dá até para ver o filme na cabeça, e como o roteiro está descrevendo isso de um jeito calmo e controlado, você capta a emoção da cena perfeitamente.

Extrato do roteiro do filme “Desafio no Gelo” (2004), escrito por Eric Guggenheim

Outro exemplo de “Desafio” é o momento mais emocionante do filme, a jogada final, e o roteirista está tirando todo o drama possível da cena. E note que quando algo importante e incrível acontece, ele escreve tudo com letras maiúsculas, ou sublinha um adjetivo. Esse é o tipo de roteiro que quando você lê, não tem como não celebrar junto.

Qual o futuro para os filmes de hockey?

Infelizmente, assim como quase todos os filmes sobre esportes, esse tipo de história está, pelo momento, “na geladeira”, já que é difícil filmar um filme de esporte durante uma pandemia. Mas assim que as coisas melhorarem, acho que vamos ver uma nova onda de filmes sobre hockey, em vez de filmes que apenas usam hockey como cenário. Os americanos começaram a apreciar mais os esportes durante a pandemia, e serviços de streaming como Netflix estão fazendo dez filmes sobre cada esporte, tanto que até a própria Disney fez um reboot de “Nos Somos os Campeões” para o Disney+. O problema é que esse reboot continua pintando o hockey como um esporte ou para crianças ou de menos importância quando comparado ao beisebol e ao futebol americano.

Que filme de hockey você escreveria?

Eu com certeza tentaria fazer algo com o hockey feminino, especialmente porque já tá na hora! Mulheres jogando hockey e uma ideia tão simples e tão óbvia que até os Simpsons fizeram uma história em 1994 sobre a a Lisa jogando hockey (apesar que, assim como várias outras histórias, o episódio acaba sendo mais sobre a rivalidade entre Lisa e Bart do que sobre o jogo de hockey mesmo). Já tá na hora, né?

Tags: