Willie O’Ree, o primeiro jogador negro da NHL

Willie O'Ree, jogando pelo Boston Bruins

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O hockey no gelo é um esporte majoritariamente composto e praticado por pessoas brancas. Muitos apontam que isso deve-se somente ao elevado custo de praticar o esporte. Dessa forma, com muitas viagens necessárias e uma lista grande de equipamentos, o hockey acaba tendo uma barreira econômica especialmente grande.

Por conta disso, há poucos atletas negros no hockey. Contudo, é possível ver a mesma discrepância nos espectadores do esporte. Uma pesquisa feita em 2013 aponta que 92% dos espectadores da NHL são brancos e que apenas 3% são de negros. Entretanto, para ver hockey, não são necessários os equipamentos caros usados para praticar. Então, o que explicaria esse afastamento, refletido em quem vê o esporte?

Simplesmente a falta de identificação no gelo, o que acaba gerando um ciclo de não-representação. A falta de diversidade no hockey — tanto no gelo quanto nas arquibancadas — não se deve por conta do esporte em si, mas simplesmente pela ausência de jogadores negros, já que o hockey é associado à cultura branca. Ora, se um esporte predominante agrega somente um tipo de pessoa, como gerar interesse nisso, já que não é possível se enxergar lá?

Mesmo com a existência de uma liga amadora feita por jogadores negros, em 1895, os poucos relatos e pouco interesse nela fez com que a história fosse apagada e que o primeiro negro a estrelar na NHL viesse bem depois.

Willie O’Ree teve uma carreira curta na Liga. Todavia, o impacto que ele teve na época é refletido até hoje, em que a sua presença em um ambiente composto exclusivamente por brancos mostrou que o hockey, é de fato, para todos, mesmo que ainda haja um longo caminho a percorrer.

A carreira de O’Ree na NHL

Foto: NHL.com

Willie Eldon O’Ree nasceu em Fredericton, New Brunswick, no Canadá. Antes de ser chamado pelo Boston Bruins, ele jogava no Quebec Aces, parte da liga amadora que viraria a profissional Quebec Senior Hockey League.

No meio da temporada do Aces, O’Ree foi chamado pelo Boston Bruins para substituir um jogador machucado. Só que o que eles não sabiam é que O’Ree havia perdido 95% da visão no olho direito dois anos antes, depois de ser atingido por um puck no rosto. Se eles soubessem desse fato, O’Ree nunca teria visto sequer um segundo de tempo de gelo na NHL.

Contudo, graças ao fato de exames físicos não serem tão exigentes e profissionais naquela época, Willie conseguiu manter segredo e sua estreia na Liga foi no dia 18 de janeiro de 1958, há exatos 62 anos. Naquele ano, ele jogou 2 partidas.

O jogo foi contra o Montreal Canadiens. Vale ressaltar que eles estavam na terceira temporada como campeões da Stanley Cup. Além disso, um ano antes, Montreal derrotou Boston por 4-1 na final da Stanley Cup. Os Canadiens venceram os Bruins por 4 jogos a 2.

Depois da NHL

O’Ree voltou para as ligas menores, e teve outra chance na NHL em 1961. Em 42 partidas, ele anotou 14 pontos com quatro gols e 10 assistências. Ele também registrou 26 minutos de penalidade. Essas foram as estatisticas que ele teve na NHL, com 44 partidas no total.

Após essa temporada, O’Ree passou o resto de sua carreira profissional em ligas menores. Ele se aposentou em 1979, depois de uma longa temporada na Western Hockey League, jogando com times de Los Angeles e San Diego.

Em sua pequena porém marcante aparição na NHL, o canadense foi vítima de racismo. O’Ree disse que o racismo era mais exacerbado nos estados americanos no que nas cidades canadenses, com comentários esdrúxulos associados a sua cor. Segundo ele, a única forma de lidar com isso era ignorando os xingamentos, o que fez com que ele não desistisse de jogar. Mesmo assim, ele teve somente 43 jogos na NHL.

O trabalho pós-NHL

Atualmente com 84 anos de idade, Willie O’Ree é diretor do Programa de Desenvolvimento de Jovens da NHL. Ele viaja pelos Estados Unidos e Canadá introduzindo hockey para meninos e meninas. Mas, antes dele começar, haviam poucos programas. Hoje, existem mais de 30 programas disponíveis para jovens.

De tal modo, o trabalho de Willie é muito importante, pois é uma das poucas formas pelas quais jovens negros são expostos e integrados ao hockey. Consequentemente, isso torna o ambiente de fácil identificação aos jovens, lentamente quebrando o estereótipo de que é o hockey é somente para brancos.

Legado

Willie O’Ree e Ryan Reaves, que atualmente joga no Vegas Golden Knights. (Foto: NHL/Reprodução)

O desafio que Willie enfrentou nos anos 50 foi necessário para que atualmente a Liga tivesse mais iniciativas para combater o racismo e trazer mais pessoas negras para o esporte.

Após O’Ree ter sido chamado pelo Boston Bruins, somente 10 anos depois, em 1974, seria possível ver outro negro atuando na Liga. Mike Marson foi o primeiro negro a ser draftado na NHL, pelo Washington Capitals.

Atualmente, na temporada de 2019-2020, temos um cenário diferente. No total, existem 14 jogadores negros atuando em alto nível: Wayne Simmonds (NJD) , P.K Subban (NJD), Darnell Nurse (EDM), Caleb Jones (EDM), Evander Kane (SJS), Kyle Okposo (BUF), Malcolm Subban (VGK), Oliver Kyligton (CGY), Mathew Dumba (MIN), Jordan Greenway (MIN), Givani Smith (DET), Seth Jones (CBJ), Pierre Edouard Bellemare (COL) Mathieu Joseph (TBL) e Anthony Duclair (OTT).

Se esses jogadores hoje jogam hockey profissionalmente, foi principalmente pelo reflexo que a história de O’Ree teve na NHL. Ao ser o primeiro jogador negro a atuar na Liga, isso possibilitou que uma geração de jovens negros começasse a ver o hockey como uma possibilidade. Que pudessem, também, sonhar em jogar na liga de mais nível alto da América do norte.

Pierre-Edouard Bellemare, Wayne Simmonds, Willie O’Ree e Ray Emery (Foto: NHL/Reprodução)

Todavia, é possível ver ainda como é baixo o número de atletas negros. Isso mostra que muitos atletas com potencial para brilharem na NHL podem ter tido suas carreiras encerradas precocemente por conta dos abusos raciais enfrentados para chegar até as grandes ligas. O atleta Akim Aliu é um grande exemplo do efeito desses abusos. Ele afirmou ter sido vítima direta disso, após falar abertamente sobre os abusos que sofreu de Bill Peters. Isso culminou na demissão do ex-técnico do Calgary Flames.

É importante ressaltar que o racismo não se dá através somente de violência ou xingamentos, e sim também por atitudes e a falta de acolhimento de negros em ambientes nos quais eles são minoria. O caminho ainda é longo, já que o racismo é, antes de mais nada, um problema da sociedade. A NHL é somente um reflexo disso.

(Foto: NHL/Reprodução)

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