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Da procrastinação ao hockey olímpico

Crônica

Da procrastinação ao hockey olímpico

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Americanos comemoram a vitória sobre a Rússia em Sochi 2014

Era uma manhã de sábado em pleno fevereiro e eu estava entediada em casa, provavelmente procrastinando ao invés de fazer algum trabalho de Direito do Trabalho II ou Processo Civil IV. O ano era 2014 e as Olimpíadas de Inverno de Sochi estavam a pleno vapor, mas confesso que na época eu não estava ligando muito para isso. Minha principal preocupação naquele momento era se a universidade francesa para a qual eu havia me candidatado aceitaria me receber para um intercâmbio ou não (spoiler: ela me aceitou e eu me mudei para Paris em setembro daquele mesmo ano). 

Foi assim que meu irmão, que não fazia ideia da ansiedade que dominava meus pensamentos, me chamou para assistir uma partida de esporte na televisão do quarto dele.  “É hockey no gelo”, ele me disse, “não faço a menor ideia de quem são esses caras, mas se é Estados Unidos contra Rússia, então deve ser divertido”. Quando eu me sentei na frente da TV eu não fazia ideia que estaria vendo possivelmente a última aparição olímpica de grandes nomes daquele esporte (obrigada, Bettman e COVID-19) e nem que aquele momento teria um impacto tão grande na minha vida.

A partida já estava no segundo período, e o gol solitário no placar era de Pavel Datsyuk.  Entre comentários sobre os sobrenomes complicados e a falta de dentes em certos jogadores, todos feitos pelo meu irmão (n/a: Alexander Ovechkin viria a se tornar o jogador favorito dele, que torce para o Washington Capitals), eu fiquei em transe devido à rapidez do jogo e a fluidez com a qual os jogadores deslizavam pelo gelo da Arena Bolshoi. 

Embora eu tenha crescido assistindo The Mighty Ducks e me lembre muito bem da febre dos Super Patos, o esporte nunca havia inspirado muitas emoções em mim. Naquela manhã, quando eu vi a seleção americana empatar e virar a partida, assim como a Rússia forçar o shootout, isso mudou. Phil Kessel fez a jogada que levou ao gol de empate marcado por Cam Fowler, e eu mal sabia que o Kessel mais velho ainda me traria muitas alegrias enquanto torcedora. 

Joe Pavelski virou para os americanos, com uma assistência de Patrick Kane, enquanto Datsyuk igualou o placar com seu segundo gol. Depois de um gol anulado pela arbitragem de vídeo, em razão do gol ter sido tirado do lugar, a partida foi para a prorrogação. Como grandes entusiastas de esportes e prorrogações com gol de ouro, eu e meu irmão assistimos àquele overtime com apreensão e um friozinho na barriga. 

Entretanto, ninguém conseguiu marcar e a equipe foi para o que a narração descreveu como shootout, ou seja, algo semelhante a uma cobrança de pênaltis. Intrigadíssima pelo fato de um mesmo cobrador poder ter várias tentativas, eu assisti a uma performance de gala de TJ Oshie, um então jovem atacante do St. Louis Blues. Os americanos saíram vitoriosos no confronto e se catapultaram para a primeira posição de seu grupo.

A partir daquele momento eu fiquei completamente obcecada pelo esporte e acompanhei todas as partidas, televisionadas no Brasil ou não. Um momento particularmente memorável foi a gambiarra que eu organizei com meu notebook velho apoiado em um banquinho de madeira, o cabo HDMI e a televisão do meu irmão para conseguir assistir à semifinal entre Canadá e Estados Unidos. Eu provavelmente deveria estar estudando ou fazendo algum trabalho chato sobre Controle de Constitucionalidade? Acredito que sim, mas no final tudo deu certo mesmo assim. 

Naquele ano também assisti à final feminina com muita empolgação, pois se tratava de uma reedição da rivalidade histórica entre Estados Unidos e Canadá. Com uma atuação de gala de Marie Philip Poulin, eu fiquei extremamente feliz quando as canadenses venceram a partida. Afinal, é sempre mais divertido quando os Estados Unidos perdem. 

Com o fim da competição eu passei a pesquisar mais sobre o esporte e busquei formas de assistir a NHL. A primeira partida que vi ao vivo foi a da Stadium Series de 2014, do Pittsburgh Penguins contra o Chicago Blackhawks no Soldier Field. Depois de alguns jogos de Sochi, a familiaridade com alguns dos nomes nas duas equipes fez com que eu me interessasse em assistir essa partida em específico. 

Aquela Stadium Series, juntamente com a comédia romântica “Ela é Demais para Mim” (2010), definiram a minha escolha por um time. Na minha cabeça não havia nada mais hilário do que um time de hockey no gelo que tinha seu nome em homenagem aos pinguins, meus animais favoritos. Sorte a minha, que vi meu time vencer duas Stanley Cups consecutivas em 2016 e 2017. 

As Olimpíadas de Sochi de 2014 me tornaram uma fã de hockey e mudaram muita coisa na minha vida. Por causa daquela partida eu tive o interesse e a curiosidade de ir ao mundial da International Ice Hockey Federation (IIHF) em Praga e também ver os Capitals logo antes de vencerem a Stanley Cup na incrível atmosfera do Bell Centre, em Montreal. Também pude ver a Stanley Cup ao vivo, além de viver a experiência de sentar no vidro em uma partida profissional dos Baby Penguins, onde também se iniciou meu relacionamento de amor e ódio com Tristan Jarry (que dura até hoje, inclusive). 

E, finalmente, sem aquele EUA x Rússia eu não teria feito as amizades que o NHeLas me trouxe. Pela primeira vez enquanto torcedora eu me senti de fato acolhida por um grupo de mulheres que buscam sempre apoiar umas às outras e promover a diversidade neste esporte tão branco e hipermasculinizado. No NHeLas fiz amizades que levarei comigo para toda a minha vida, para muito além deste projeto tão especial. Por isso eu não me canso de falar: Спасибо, Сочи e muito obrigada por existirem, Jogos Olímpicos.

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