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Q&A com Allie Thunstrom: uma carreira de pluri-esportividade

Entrevista

Q&A com Allie Thunstrom: uma carreira de pluri-esportividade

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Allie Thunstrom durante o All-Star Weekend

Desde o ano passado, o NHeLas tem se preocupado em trazer conteúdo também sobre o hockey feminino. O esporte está mudando e, para acompanharmos essa mudança, é fundamental conhecermos os personagens por trás dela.

Por isso, oficializamos hoje uma parceria muito especial que o site conquistou no último mês com a National Women’s Hockey League. (Isso mesmo, a NWHL).

Com o apoio de representantes da liga profissional de hockey feminino, vamos entrevistar jogadoras sobre suas experiências com o esporte e o que é ser mulher no hockey.

Estas entrevistas serão parte da Coluna de Hockey Feminino em nosso site, um projeto que vem sendo trabalhado há meses, construído através de outros textos já disponíveis no site, para trazer para vocês o melhor conteúdo sobre a modalidade, notícias sobre a NWHL, importância do hockey feminino e muito mais!

Nesse texto, o primeiro em parceria com a NWHL, entrevistamos a atacante Allie Thunstrom do Minnesota Whitecaps.

A jogadora é co-MVP da temporada 2019-20, vencedora da Isobel Cup e medalhista da Four Nations Cup com a seleção americana. 

Quem é Allie Thunstrom? 

A carreira de Allie Thunstrom foi marcada por uma pluri-esportividade. Nascida em Maplewood, no estado de Minnesota nos Estados Unidos, Allie iniciou sua carreira no esporte ainda no high school pelo North St. Paul High.

Nesse período, ela acumulou recordes, marcando um total de 228 gols, 122 assistências e 350 pontos. Estes números resultaram na conquista do Minnesota Ms. Hockey Award em 2006. Thunstrom também conquistou prêmios de futebol e softbol nos anos de high school.

No entanto, os recordes não param por aí.

Durante seu tempo com a Boston College, Allie ganhou bolsa para jogar hockey, mas também chegou a competir no softbol. Em suas quatro temporadas universitárias, começando em 2006-07, ela participou de 141 jogos, nos quais somou 86 gols (22 somente em sua última temporada), 53 assistências e 139 pontos. Allie também conquistou o Hockey East All-Star três vezes.

Em 2010, a jogadora participou da Four Nations Cup conquistando a medalha de prata com a seleção dos EUA. No mesmo ano, Thunstrom assinou seu primeiro contrato com os Whitecaps, time que permanece até hoje.

Entretanto, a equipe de Minnesota permaneceu por muitos anos como um time independente, entrando para a NWHL somente em 2018. Em sua primeira temporada na liga, os Whitecaps fizeram uma grande estreia e conquistaram sua primeira Isobel Cup.

Em 2012, Allie resolveu que era hora de tentar um novo esporte. Por isso, a atleta começou a treinar patinação de velocidade, chegando inclusive a participar de diversas competições. Nesse período, ela precisou se adaptar a uma nova forma de deslizar no gelo. 

Retornando a competir no hockey pela seleção americana, a jogadora voltou à Four Nations Cup em 2015, desta vez conquistando a medalha de ouro.  

Recentemente, Allie Thunstrom renovou para a sua terceira temporada com os Whitecaps. Atualmente, ela divide seu tempo entre o gelo e sua carreira como especialista em produtos de campo na Ergodyne. 

[Esta entrevista foi traduzida e editada para maior clareza]

Por muitos anos você se dedicou à carreira como patinadora de velocidade. Como se interessou pela modalidade?

De uma maneira única e indireta! Eu ainda tinha um ano de elegibilidade para o softbol na Boston College quando integrei a seleção nacional dos EUA no hockey pela primeira vez. Como resultado, acabei tendo que deixar a escola para treinar em tempo integral no hockey. Logo depois acabei sendo cortada da seleção, em janeiro ou fevereiro, e fiquei meio perdida. Eu não tinha mais o hockey e sentia falta do softbol. Lembrando sempre que isso ocorreu alguns anos antes do início da NWHL.

Então, eu estava tentando descobrir o que fazer e minha mãe sugeriu tentar patinação de velocidade. Por isso encontramos uma clínica “Try Speedskating” nas proximidades e eu fui em uma terça à noite qualquer. A partir daí, o senhor que ensinava no clube me incentivou a experimentar a modalidade de verdade. Desta forma, acabei ingressando em um clube em Minnesota e o resto é história. Foi um longo caminho para conseguir  competir. A passada é muito diferente e se trata de uma técnica muito diferente. Então, por mais que eu esperasse uma transição fácil, estava longe disso.

Como ela se compara ao hockey?

É incrivelmente diferente. A maior e mais óbvia diferença é provavelmente aquela entre as partes em equipe e individual. No hockey, você faz parte de um quebra-cabeça, tentando juntar todas as peças corretamente para vencer os jogos. Na patinação de velocidade, é só você. Não há outras peças com as quais você tenha que pensar ou interagir. No hockey, você joga pelos seus companheiros de equipe e pelo bem maior de todos, mas na patinação de velocidade seus resultados realmente não afetam ninguém além de você. Fora isso, a técnica e habilidade são muito diferentes. No hockey, rajadas rápidas e agilidade são igualmente, senão mais importantes, que a velocidade máxima. Na patinação de velocidade, trata-se de eficiência de passada e velocidade máxima. Não importa a rapidez com que você está fora da linha (de partida) se não patinar em uma volta eficiente e rápida. Alguns dos patinadores de velocidade mais rápidos movem as pernas mais lentamente – mas a quantidade de energia gerada em cada passada é intensa.

Você ainda pratica patinação de velocidade mesmo após ingressar no Whitecaps?

Não muito frequentemente. De vez em quando, se eu tenho algum tempo livre, posso entrar no gelo com meus ex-treinadores e colegas de patinação de velocidade, mas certamente não estou treinando para isso. (A modalidade) utiliza músculos diferentes, portanto, passar de um para outro não é tão fácil quanto parece. Tenho um cronograma bastante intenso e quero garantir que estou no meu melhor para os nossos jogos, por isso tento não fazer nada que interfira com a minha capacidade de jogar.

Você ganhou o 2020 NWHL Foundation Award recentemente. Como é fazer parte deste programa de hockey e visitar escolas? Como você se sente sendo um exemplo para as jovens atletas que desejam seguir uma carreira no esporte?

Esta é provavelmente uma das minhas partes favoritas de jogar hockey profissional no Whitecaps. Ser capaz de conectar-me com crianças pequenas e ser um exemplo é uma experiência realmente incrível e algo que não encaro de forma leviana. Quero mostrar às crianças que é importante ter sonhos e mostrar-lhes como ir em busca deles. É muito importante entender também que seus sonhos podem mudar ao longo do caminho e, às vezes, você acaba em algum lugar que nunca pensou ser possível – e está tudo bem também. Não tive o caminho mais tranquilo para chegar onde estou hoje e não mudaria isso por nada no mundo. Se minhas experiências podem ajudar alguém a ver o mundo de maneira diferente e incentivá-lo a continuar tentando, cada segundo valeu a pena. Também é extremamente importante porque, quando eu era mais jovem, meus sonhos não eram “realidade” porque não havia hockey profissional feminino. Havia o mínimo de hockey universitário e nenhum hockey olímpico até 1998 (quando eu tinha 10 anos). Muitas pessoas me disseram para focar em algo mais realista – algo que estava ao meu alcance. Enquanto entendo o porquê, quero fazer o oposto e incentivar cada menina e menino a lutarem por seus sonhos e nunca desistirem. Só porque você não pode vê-lo agora, não significa que não estará lá no futuro. E mesmo se você seguir um caminho diferente no futuro, a jornada terá valido cada passo.

Você participou do All-Star Weekend da NWHL nas duas temporadas da liga. Pode nos contar como foi participar desses eventos e ganhar recentemente a competição de patinadora mais rápida durante o All-Star Skills Challenge?

Ser selecionada como All-Star foi uma honra absoluta e uma experiência que me trouxe humildade. Ser capaz de jogar com e contra os melhores da liga é definitivamente uma experiência incrível. Você ganha tanto respeito por essas jogadoras – como Jillian Dempsey, McKenna Brand, Kaleigh Fratkin, Madison Packer, Taylor Accursi, Marie-Jo Pelletier, Shannon Doyle, Rebecca Morse, Kate Leary, Kiira Dosdall-Arena e a lista continua. Depois de lutar tanto contra elas, é realmente divertido brincar com elas e conhecê-las no gelo. Somos todas super competitivas, mas o All-Star Weekend é sempre muito mais do que apenas a competição de jogos e habilidades. Traz o melhor de todos e é realmente um ótimo momento.

Com a final da Isobel Cup cancelada, você e os Whitecaps continuam os campeões da NWHL. Poderia descrever como foi vencer em sua primeira temporada na liga e ser nomeada MVP desta temporada?

Fazem dois agitados anos que jogamos nos Whitecaps na NWHL. Faço parte dos Whitecaps desde que me formei em 2010, quando fazíamos parte da WWHL. Essa liga foi encerrada e não fomos convidados a participar da CWHL. Então, durante quase uma década, estávamos jogando jogos de exibição contra equipes de faculdade e alguns adversários da CWHL ou da NWHL. Finalmente, passamos a fazer parte da liga na última temporada, o que foi muito mais do que eu esperava e foi tão especial apenas por causa do caminho que tínhamos trilhado para chegar lá. Então vencer a Isobel Cup no fim, foi realmente um final digno de contos de fadas. 

A imensa alegria e apoio que recebemos de todo o estado de Minnesota e de nossos fãs foi o que realmente impulsionou nosso sucesso no primeiro ano. Obviamente, tínhamos uma equipe tremendamente talentosa, mas a jornada para chegar à NWHL e finalmente fazer parte de uma liga profissional foi muito especial. É difícil descrever como foi finalmente jogar e isso tirou um pouco da pressão, porque estávamos realmente entusiasmadas por ter a oportunidade, e qualquer coisa além disso seria a cereja do bolo. Lembro-me de entrar no gelo para o nosso primeiro jogo em casa, que teve seus ingressos esgotados, e com uma torcida que fazia barulho. Eu fiquei com os olhos marejados. E então continuou daquele jeito a temporada inteira … simplesmente incrível.

Esta (última) temporada foi um pouco diferente. Não éramos mais as novatas e sabíamos que tínhamos uma reputação a defender. Havia expectativas e não estávamos mais apenas felizes em participar. Nós definitivamente tivemos algumas dificuldades ao longo do caminho para encontrar nosso passo. Começamos o ano com uma vitória por 9 a 2, apenas para perder no overtime no dia seguinte. Essa tendência continuou em dezembro, mas então nos unimos e descobrimos o time que queríamos e sabíamos que poderíamos ser. E a partir daí foi divertido. Muito, muito divertido. Encontramos o nosso jogo e jogamos muito bem. Ser nomeada Co-MVP é realmente um testemunho de toda a nossa equipe ter encontrado esse ritmo. Estávamos clicando e coisas boas estavam acontecendo. Foi o culminar de todas as peças reunidas.

Minhas colegas de linha, Jonna Curtis e Meaghan Pezon, mereciam essa honra tanto quanto eu. E, claro, nossa defesa e Amanda Leveille. Não ganhamos partidas sem o seu jogo estelar. Embora seja considerada uma honra individual, é realmente um prêmio de equipe e que eu fico feliz em compartilhar com todas as jogadoras de nossa lista.

Como você encontra o equilíbrio entre ser uma jogadora de hockey profissional e sua vida fora do gelo?

Eu amo estar ocupada e em movimento, portanto, para mim, nunca foi um problema. Tenho um trabalho que exige um pouco de viagens, mas geralmente consigo agendá-las de acordo com as obrigações da equipe. Eu também sou capaz de me apoiar no meu background de patinação de velocidade para ficar em dia com os treinos quando estou sozinha.

Também tenho a grande sorte de ter um empregador que não apenas me apoia, como também me incentiva a seguir meus sonhos e objetivos atléticos. Meus colegas vêm aos jogos e acompanham nossa temporada. Trabalho como especialista em produtos de campo para um fabricante de EPIs industriais e de segurança, Ergodyne. Portanto, passo muito do meu tempo em locais de trabalho e com os clientes ajudando-os a reduzir os riscos e perigos de segurança. Definitivamente adoro o que faço, por isso é realmente incrível poder ir atrás das minhas duas paixões e ter apoio de ambos os lados.

Estamos cientes de que o mundo do hockey feminino não é fácil. Como você vê o crescimento do esporte atualmente?

Há muito crescimento e exposição no momento. A maior coisa para o hóquei feminino e o esporte feminino em geral é a visibilidade e, no momento, há muitos olhos em nosso esporte. Isso é uma coisa boa. O número de pessoas que conhecem o nosso jogo e a NWHL estão crescendo significativamente. Nesta temporada, conseguimos esgotar jogos em Boston e Minnesota, e havia uma multidão enorme em um único jogo ao ar livre em Buffalo. No Twitch, superamos 8 milhões de visualizações. Isso foi enorme, superando nossas expectativas. Foi um ano emocionante ao vermos como o canal Twitch realmente abriu o acesso à liga e o número de novos fãs que temos. O talk show semanal da NWHL Open Ice no Twitch também foi um grande sucesso.

Nossos patrocínios ao longo do ano passado foram os que mais se destacaram na história da liga, e as jogadoras se beneficiam de uma divisão de receita de 50/50 de parcerias da liga. O Boston Pride e o Toronto Six foram adquiridos por proprietários individuais e sei que mais equipes serão vendidas no futuro. Isso é gigantesco para a nossa liga e para o hockey feminino. Tem sido muito divertido fazer parte disso.

Allie Thunstrom em uma partida contra o Boston Pride (Foto: Michelle Jay/NWHL)

Estes são tempos muito incomuns para todos nós. Como sua rotina foi afetada principalmente no treinamento e condicionamento, e como você tem lidado com isso?

Para todos, essa pandemia tem sido difícil tanto emocional quanto fisicamente. Eu nunca poderia compará-la com as tragédias e com o que muitos outros passaram. Como você está perguntando sobre minha rotina pessoal, vou falar sobre isso.

Em questão de dias, como todo mundo, passei de um dia bastante normal onde eu ia trabalhar, à academia ou patinar, para realmente não poder sair de casa. Tem sido difícil manter o mesmo nível de condicionamento físico, já que não há acesso ao gelo e o “equipamento” de academia que tenho é muito limitado. Tudo o que tenho é um conjunto de halteres de 45 libras (aproximadamente 20,5 kg)! Mas tenho feito o melhor que posso com o que possuo. Eu corro, ando de patins e de bicicleta o máximo que posso. Decidi que definitivamente preciso ter uma academia em casa no futuro!

Definitivamente, sinto falta de estar no gelo competindo com minhas colegas de equipe, mas também entendo a crise da saúde e quero continuar fazendo minha parte para proteger meus vizinhos, entes queridos, amigos e todos ao meu redor. Portanto, embora seja definitivamente um pouco mais solitário do que estou acostumada, sou grata pelas plataformas virtuais que nos permitem permanecer conectados e manter contato. Não vai ser assim para sempre, então temos que aproveitar ao máximo e cuidar um do outro. 

Fotos: Michelle Jay/NWHL 

Texto sob supervisão da editora chefe Juh Guedes

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